Imagine a seguinte situação:
Um proprietário possui um terreno bem localizado, mas não tem recursos para construir.
De outro lado, uma incorporadora quer lançar um empreendimento, mas prefere evitar o desembolso imediato de capital.
O impasse parece simples — até que surge a solução: uma permuta imobiliária.
Nesse tipo de acordo, o dono do terreno entrega o imóvel e, em troca, recebe unidades futuras do empreendimento ou parte do valor das vendas.
A operação parece vantajosa para ambos: um ganha liquidez, o outro viabiliza o projeto.
Mas há um detalhe que separa o bom negócio de um problema tributário — a estrutura jurídica e fiscal do contrato.
Nos últimos anos, a Receita Federal e o Poder Judiciário passaram a detalhar, em novas Soluções de Consulta Cosit (2025), quando a permuta é isenta de imposto, quando gera ganho de capital e quando deixa de ser considerada permuta para fins fiscais.
Essas interpretações transformaram a permuta imobiliária em um dos instrumentos mais estratégicos e sensíveis do mercado imobiliário.
Neste artigo, o Carvalho Gomes Advogados explica, de forma didática e fundamentada, como estruturar uma permuta com segurança jurídica e eficiência tributária, abordando seus fundamentos legais, efeitos fiscais e boas práticas contratuais segundo o entendimento mais recente da Receita Federal e da jurisprudência brasileira.
1. O que é permuta imobiliária
A permuta imobiliária é o contrato por meio do qual duas partes trocam bens imóveis entre si, sem que haja necessariamente pagamento em dinheiro.
Prevista nos arts. 533 e 534 do Código Civil, é um contrato oneroso e comutativo, ou seja, envolve contrapartidas equivalentes e gera transferência de propriedade.
Base legal:
“Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações: nenhuma das partes responderá pela evicção de todo o bem recebido, se esta tiver origem anterior à permuta, e não houver convenção em contrário.”
— Art. 533 do Código Civil
Na prática, existem dois tipos principais:
- Permuta pura: apenas troca de imóveis de valores semelhantes;
- Permuta com torna: quando há diferença de valores compensada com pagamento em dinheiro.
2. Diferença entre permuta e compra e venda
Embora sejam contratos semelhantes, a diferença está na composição do preço.
Se mais de 50% do valor da transação for dinheiro, a operação deixa de ser permuta e passa a ser compra e venda com dação em pagamento, conforme entendimento dos cartórios e da Receita Federal.
Essa distinção é importante porque:
- Altera a forma de registro no cartório;
- Impacta a incidência de ITBI e IR;
- Muda a tributação da operação (permuta pura não gera ganho de capital imediato).
3. Fundamentos jurídicos e forma do contrato
A permuta de imóveis deve seguir os requisitos legais de validade:
- Partes capazes e objeto lícito;
- Forma pública (escritura pública) para imóveis acima de 30 salários-mínimos (art. 108, CC);
- Registro no Cartório de Imóveis para que produza efeito real (art. 1.245, CC).
Natureza jurídica:
A permuta é um contrato translativo de domínio — transfere a propriedade recíproca dos imóveis.
Por isso, gera efeitos civis, registrais e fiscais idênticos aos da compra e venda, no que couber.
4. Cláusulas essenciais e segurança jurídica
Um contrato de permuta bem redigido deve conter no mínimo:
- Descrição completa dos imóveis (matrícula, área, ônus e regularidade urbanística);
- Valor da torna, se houver, e forma de pagamento;
- Responsabilidade por tributos, condomínio e riscos até a entrega;
- Cláusulas resolutivas para casos de inviabilidade da operação (ex.: falta de aprovação de projeto ou financiamento);
- Garantias reais ou pessoais;
- Prazos e multas;
- Procurações e poderes para registro.
Dessa forma, esses dispositivos funcionam como o “cinto de segurança” da operação e evitam litígios ou exigências cartorárias.
5. Checklist documental obrigatório
Pois bem, antes de formalizar a permuta por escritura pública, é indispensável realizar uma due diligence imobiliária completa — etapa que avalia a regularidade jurídica, fiscal e urbanística dos imóveis envolvidos.
Pois, essa análise prévia é o que garante segurança e evita que a operação seja travada no cartório ou venha a ser questionada no futuro.
O checklist mínimo deve incluir:
- Matrícula atualizada e certidões negativas;
- Quitação de IPTU e condomínio;
- Certidão ambiental (para terrenos e áreas rurais);
- Regularidade urbanística (habite-se, alvará, zoneamento).
Assim, essas verificações previnem nulidades e evitam exigências cartorárias.
Além disso, caso sejam identificadas pendências — como hipotecas, restrições urbanísticas ou débitos tributários —, o mais prudente é celebrar um contrato preliminar de permuta (promessa de permuta).
Ou seja, esse instrumento formaliza a intenção das partes e estabelece condições resolutivas, permitindo que a operação avance somente após a regularização integral dos imóveis, sem riscos jurídicos para o incorporador ou para o proprietário.
6. Aspectos tributários da permuta imobiliária
6.1. Permuta pura (imóvel por imóvel, sem torna)
Segundo a Solução de Consulta Cosit nº 124/2025, baseada em jurisprudência do STJ, não há auferimento de receita ou lucro na troca de imóveis — mesmo para incorporadoras optantes pelo RET (Regime Especial de Tributação).
Assim, o imóvel recebido não compõe a receita bruta nem gera tributação imediata.
Somente a torna (diferença em dinheiro) deve ser oferecida à tributação.
6.2. Permuta com torna
Quando há pagamento complementar em dinheiro, há ganho de capital proporcional à diferença recebida, conforme a IN SRF nº 84/2001, art. 23.
Para pessoas físicas, aplica-se alíquota progressiva de 15% a 22,5%, conforme o Decreto nº 9.580/2018 (RIR/2018).
Para pessoas jurídicas, o valor da torna é receita tributável pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.
6.3. Permuta financeira (terreno por percentual de vendas)
A Solução de Consulta Cosit nº 89/2025 fixou que a chamada permuta financeira — na qual o proprietário do terreno recebe percentual das vendas futuras do empreendimento — não é permuta para fins fiscais, mas sim compra e venda com pagamento parcelado.
Consequentemente:
- O proprietário pessoa física é tributado por ganho de capital, à medida que recebe as parcelas;
- A alíquota de 4% do RET aplica-se apenas à incorporadora, e não ao antigo dono do terreno.
6.4. Dação em pagamento
A Solução Cosit nº 23/2025 reforçou que a dação em pagamento é espécie de alienação, com efeitos fiscais equivalentes à venda.
Assim, a entrega de imóvel para quitar dívida:
- gera ganho de capital, se houver lucro;
- impede o uso da isenção do “imóvel único” (art. 23, Lei nº 9.250/1995) por cinco anos subsequentes.
7. Benefícios e riscos da permuta imobiliária
Vantagens
✅ Evita desembolso imediato de dinheiro;
✅ Facilita negócios em períodos de baixa liquidez;
✅ Permite parcerias estratégicas entre proprietários e incorporadores;
✅ Reduz o risco de inadimplência quando bem estruturada juridicamente.
Riscos se mal conduzida
⚠️ Tributação indevida por classificação incorreta do contrato;
⚠️ Falta de cláusula de liberação de unidades em empreendimentos financiados;
⚠️ Registro negado por ausência de especialidade do objeto;
⚠️ Perda de isenções fiscais por erro formal.
8. Planejamento jurídico e ético
A ética profissional exige que advogados atuem com transparência ao explicar riscos tributários e contratuais — sem prometer resultados ou vantagens indevidas.
Pois, o planejamento jurídico imobiliário preventivo é a forma legítima de otimizar tributos e garantir segurança para ambas as partes.
Dessa forma, na Carvalho Gomes Advogados, todas as operações de permuta são analisadas sob três eixos:
- Estrutura jurídica – regularidade contratual e registral;
- Conformidade tributária – enquadramento correto (permuta física, financeira ou dação);
- Governança negocial – proteção das partes e clareza nos direitos e obrigações.
Conclusão
A permuta imobiliária representa muito mais do que uma simples troca de bens — trata-se de um instrumento jurídico e econômico de alta relevância, capaz de viabilizar projetos, otimizar fluxos financeiros e ampliar oportunidades no mercado imobiliário.
Entretanto, sua aparente simplicidade oculta desafios jurídicos e tributários complexos, que exigem planejamento detalhado, clareza contratual e rigor técnico na execução.
As Soluções de Consulta Cosit publicadas em 2025 trouxeram avanços significativos ao consolidar entendimentos da Receita Federal sobre tributação, enquadramento fiscal e segurança jurídica, reforçando a necessidade de assessoria especializada em cada fase da operação.
Na Carvalho Gomes Advogados, o trabalho com permutas imobiliárias é conduzido de forma integrada — unindo análise contratual, regularização registral e planejamento tributário — sempre orientado pelos princípios de transparência, segurança e conformidade ética que regem a advocacia.
