A adjudicação compulsória extrajudicial, regulamentada pela Lei nº 14.382/2022 e detalhada pelo Provimento nº 149/2023 do CNJ, tornou-se uma ferramenta ágil e segura para regularizar imóveis quando o vendedor não outorga a escritura definitiva. Mas até onde vai essa possibilidade? Quais documentos são obrigatórios? Em que hipóteses o Registro de Imóveis pode recusar o pedido? E quais erros podem transformar o procedimento em um conflito judicial? Neste guia completo, a Carvalho Gomes Advogados explica — de forma técnica, clara e acessível — tudo o que você precisa saber para utilizar o procedimento com segurança, compreendendo seus requisitos, limites e riscos.
Introdução
A falta de regularidade dominial ainda é um dos maiores entraves do mercado imobiliário. Contratos antigos não formalizados, cessões sucessivas, loteamentos antigos e vendedores falecidos ou não localizados são situações que há anos impedem proprietários de obter a escritura definitiva.
Para enfrentar esse cenário, o legislador expandiu a desjudicialização e instituiu a adjudicação compulsória extrajudicial, um procedimento administrativo conduzido diretamente no Registro de Imóveis — agora minuciosamente regulamentado pelo CNJ. O objetivo é substituir a recusa ou a impossibilidade do vendedor, sem a necessidade de ajuizar uma ação.
A novidade, porém, trouxe diversas dúvidas:
- O procedimento pode ser concluído mesmo se o vendedor permanecer em silêncio?
- Ainda é necessária uma decisão judicial?
- A anuência do vendedor encerra o processo?
- Quando o registrador deve recusar o pedido?
Este artigo responde a todas essas questões, apresentando uma análise sólida e prática para compradores, advogados, corretores e investidores imobiliários.ma análise completa do instituto, com foco prático para compradores, advogados, corretores e investidores.
O que é a adjudicação compulsória extrajudicial?
A adjudicação compulsória extrajudicial é o procedimento pelo qual o adquirente pode obter o domínio do imóvel diretamente no Registro de Imóveis quando o alienante:
- não outorga a escritura definitiva;
- está impossibilitado de fazê-lo (falecimento, incapacidade, extinção da pessoa jurídica);
- não é localizado após diligências formais;
- permanece em silêncio mesmo regularmente notificado.
O fundamento legal está no art. 216-B da Lei de Registros Públicos, regulamentado de forma detalhada pelos arts. 440-A a 440-AM do Provimento nº 149/2023 do CNJ, que estabeleceram um procedimento uniforme para todo o país.
Qual é a finalidade desse procedimento?
A finalidade da adjudicação compulsória é garantir a aplicação do art. 1.418 do Código Civil: o adquirente que cumpriu suas obrigações tem direito à escritura definitiva, ainda que o vendedor não a conceda por omissão, silêncio ou impossibilidade. Tradicionalmente, isso era feito somente pela via judicial – ação de adjudicação compulsória. Agora, o procedimento extrajudicial busca:
- acelerar a solução;
- reduzir custos;
- evitar ações judiciais desnecessárias;
- desafogar o Judiciário;
- permitir a regularização dominial de contratos antigos, inclusive com cessões sucessivas.
Quem pode requerer a adjudicação compulsória extrajudicial?
O §1º do art. 216-B De acordo com o art. 216-B da LRP e art. 440-C do Provimento:
- Promitente comprador;
- Cessionário ou promitente cessionário;
- Sucessores (herdeiros);
- Promitente vendedor (casos excepcionais, como recusa do comprador);
- Cedentes e demais transmitentes.
Todos devem estar assistidos por advogado com procuração específica.
Documentos necessários para iniciar o procedimento
Pelo Provimento, a instrução do pedido deve ser robusta. São exigidos:
1. Ata notarial obrigatória
Elemento central do processo (arts. 440-F e 440-G), devendo conter:
- identificação da matrícula;
- descrição do imóvel;
- histórico completo dos contratos e cessões;
- prova do adimplemento integral;
- demonstração do inadimplemento do vendedor;
- valor venal;
- anexação de documentos, comprovantes, mensagens, recibos etc.
2. Contrato de promessa, cessão ou sucessão
Com cadeia completa até o requerente.
3. Certidões forenses
Para comprovar a inexistência de litígio que impeça o registro.
4. Notificação do requerido
Realizada pelo Registro de Imóveis, RTD ou por edital, quando aplicável.
5. Procuração específica ao advogado
A representação por advogado é obrigatória no procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial. A procuração deve conter poderes específicos, como: requerer a abertura do processo, apresentar documentos, responder exigências, manifestar-se sobre impugnações e praticar todos os atos necessários ao andamento do procedimento.
Procurações genéricas costumam ser recusadas na qualificação registral. Quando houver mais de um requerente, todos devem outorgar poderes ou assinar conjuntamente o instrumento. Esse cuidado evita indeferimentos e garante a regularidade do procedimento.
6. Comprovante do ITBI
A ser apresentado antes da conclusão do registro (art. 440-AL).
Observação importante: embora a lei tenha vetado a obrigatoriedade de prova de quitação, o Provimento exige comprovação do adimplemento como requisito da ata notarial.
Limites jurídicos do procedimento extrajudicial
Apesar de ser mais célere, trata-se de um processo administrativo, sujeito à qualificação registral. O registrador pode e deve:
- exigir documentos adicionais;
- rejeitar impugnações manifestamente protelatórias;
- acolher impugnações com fundamento;
- realizar exigências formais;
- remeter o caso ao juiz quando houver controvérsia jurídica relevante.
Assim, o procedimento não substitui o Judiciário quando há conflito substancial, e tampouco autoriza a adjudicação sem prova robusta do direito alegado.
Situações em que o procedimento deve ser encerrado
1. Quando o vendedor concorda com a outorga
Pelo Provimento, a mera anuência não encerra o processo (art. 440-Y, §2º).
O procedimento segue até o registro.
Assim, não é obrigatória a lavratura de escritura pública.
2. Quando o vendedor apresenta oposição fundamentada
Se a impugnação apresentada for acolhida pelo Oficial, o procedimento é encerrado.
Se houver dúvida jurídica relevante, o caso é remetido ao juiz (art. 440-AE).
3. Quando há inércia do requerente
A ausência de cumprimento de exigências encerra o processo (art. 440-J).
E o silêncio do vendedor?
O silêncio não obsta o procedimento.
O Provimento afirma expressamente que o silêncio pode implicar presunção de veracidade do inadimplemento (art. 440-S, IV).
Portanto:
- O silêncio não impede a adjudicação.
- O procedimento prossegue normalmente, desde que instruído corretamente.
Quando a adjudicação compulsória extrajudicial pode seguir?
A adjudicação compulsória extrajudicial somente pode avançar quando existe prova suficiente do direito do requerente e ausência de óbice jurídico relevante. Nessas situações, a atuação do registrador substitui a outorga do alienante, desde que observadas as regras do Provimento CNJ nº 149/2023.
A seguir, as hipóteses praticáveis em que o procedimento prossegue regularmente.
1. Falecimento do vendedor
O falecimento do promitente vendedor não impede o prosseguimento do procedimento.
O art. 440-W autoriza que sejam notificados:
- o inventariante (se houver inventário em curso);
- ou, inexistindo inventário, os herdeiros legais, desde que comprovados o óbito, a qualidade de herdeiro e a inexistência de processo sucessório.
Nessas hipóteses, o registrador pode concluir a adjudicação se ficar demonstrado que o comprador já havia cumprido as obrigações contratuais antes do falecimento e que não existe oposição válida dos herdeiros.
2. Extinção da pessoa jurídica
É comum em loteamentos antigos que a empresa loteadora tenha sido dissolvida ou extinta.
O Provimento (art. 440-U) estabelece que a notificação deve ser dirigida:
- ao liquidante;
- ao último administrador conhecido;
- e, se ambos estiverem em local incerto ou desconhecido, por edital.
Caso o requerente comprove o adimplemento integral e a extinção da sociedade, o registrador pode prosseguir com a adjudicação.
3. Incapacidade civil superveniente
Se o vendedor tornou-se incapaz após a celebração do contrato, a notificação deve ser feita ao curador nomeado judicialmente. Havendo prova documental da incapacidade e do adimplemento contratual, e inexistindo impugnação válida, o procedimento pode ser finalizado administrativamente.
4. Local incerto e não sabido
Quando o vendedor não é localizado após tentativas de notificação pessoal, o art. 440-X autoriza:
- certificação das diligências frustradas;
- e posterior notificação por edital, publicada duas vezes, com intervalo de 15 dias úteis.
A correta instrução dessa etapa é essencial. Havendo esgotamento dos meios ordinários e comprovação robusta da tentativa de localização, o procedimento pode seguir normalmente.
5. Silêncio após notificação regular
O Provimento inovou ao disciplinar expressamente o silêncio.
O art. 440-S, IV, estabelece que:
O silêncio pode gerar presunção de veracidade quanto ao inadimplemento do vendedor.
Assim, se o alienante é regularmente notificado e não apresenta impugnação ou anuência, o procedimento não é encerrado. O registrador pode proceder à qualificação e decidir sobre o pedido, desde que não haja outros óbices.
E quando não há resposta e não há prova de impossibilidade?
Se o vendedor permanece silente, mas o requerente não consegue demonstrar adimplemento completo, cadeia contratual coerente ou segurança documental suficiente, o procedimento fica fragilizado.
Nessas hipóteses — especialmente quando há:
- indícios de litígio;
- dúvidas sobre o contrato;
- inconsistências documentais;
- ausência de comprovação clara do direito —
duas alternativas se apresentam:
1. Conversão em usucapião extrajudicial
O registrador pode converter o expediente em usucapião, a pedido do requerente, desde que preenchidos os requisitos legais:
- posse contínua e incontestada;
- lapso temporal adequado;
- boa-fé e justo título (na modalidade ordinária);
- instrução completa conforme Provimento CNJ nº 65/2017.
Essa conversão evita a necessidade de nova autuação e aproveita a documentação já apresentada.
2. Encaminhamento para o Judiciário
Quando houver controvérsia substancial, ausência de posse apta para usucapião ou dúvidas não sanáveis em sede administrativa, o caminho adequado será a ação de adjudicação compulsória judicial.
Nessa via, o juiz poderá analisar provas, ouvir testemunhas, determinar perícias e julgar questões complexas que extrapolam a esfera registral.
Adjudicação compulsória extrajudicial × Usucapião extrajudicial
| Critério | Adjudicação Compulsória Extrajudicial | Usucapião Extrajudicial |
|---|---|---|
| Natureza | Suprimento da omissão do alienante | Aquisição originária |
| Requisito central | Contrato + adimplemento | Posse + lapso temporal |
| Silêncio do notificado | Pode presumir inadimplemento (art. 440-S, IV) | Equivale a anuência (Prov. 65/2017) |
| Papel do registrador | Análise administrativa, decisão sobre impugnações | Procedimento probatório próprio |
| Resultado registral | Continua a cadeia de titularidade | Inicia nova cadeia dominial |
Este quadro evidencia que os institutos não se confundem e possuem finalidades distintas. A adjudicação não substitui a usucapião, nem vice-versa.
Cuidados essenciais para evitar indeferimentos
Para que o procedimento tenha êxito, recomenda-se:
- Verificar previamente a existência de litígios envolvendo o contrato ou o imóvel.
- Cumprir rigorosamente a forma da notificação, conforme arts. 440-R a 440-X.
- Produzir ata notarial robusta, especialmente para comprovar adimplemento e cadeia contratual.
- Organizar cuidadosamente os documentos, incluindo cessões e sucessões anteriores.
- Registrar todas as tentativas de localização do vendedor.
- Providenciar o ITBI imediatamente após a aprovação do pedido (art. 440-AL).
A qualificação registral é rigorosa e exige precisão documental.
Quando o procedimento extrajudicial é realmente vantajoso?
A adjudicação compulsória extrajudicial apresenta excelente eficácia nos seguintes cenários:
- contratos totalmente quitados, mas sem escritura definitiva;
- loteamentos antigos com empresas extintas;
- vendedores falecidos cujos herdeiros não são localizados;
- cadeias de cessões antigas e não regularizadas;
- imóveis já prontos para venda, mas com titularidade desatualizada.
Quando corretamente instruído, o procedimento oferece celeridade, redução de custos e segurança jurídica, tornando-se alternativa eficiente à via judicial.
Conclusão: o que esperar da adjudicação compulsória extrajudicial?
A adjudicação compulsória extrajudicial consolidou-se como um instrumento poderoso de regularização imobiliária. O Provimento do CNJ ampliou as hipóteses de prosseguimento, regulou o silêncio, estruturou a análise das impugnações e atribuiu ao registrador função decisória administrativa.
O êxito do procedimento depende de:
- documentação consistente;
- ata notarial completa;
- notificação adequada;
- ausência de litígio impeditivo.
Nos casos em que houver controvérsia jurídica substancial, a via judicial continuará sendo o caminho apropriado.
A Carvalho Gomes Advogados está preparada para assessorar clientes em todas as etapas da adjudicação compulsória extrajudicial, assegurando precisão técnica, eficiência e segurança jurídica.

A Carvalho Gomes Advogados é especializada em regularização imobiliária e acompanha procedimentos extrajudiciais complexos, garantindo segurança jurídica em cada etapa.
Se você possui um contrato antigo sem escritura, dificuldade em localizar o vendedor ou necessidade de regularizar um imóvel para venda, fale conosco. Podemos analisar o seu caso e indicar o melhor caminho jurídico, seja adjudicação, usucapião ou regularização completa.


