O contrato de empreitada é amplamente utilizado na construção civil e na execução de obras particulares, mas exige atenção rigorosa aos aspectos legais que o regem. Um contrato mal estruturado pode gerar prejuízos financeiros, atrasos e disputas judiciais.
Neste artigo, a Carvalho Gomes Advogados explica os principais pontos que devem ser observados para garantir segurança jurídica, equilíbrio contratual e previsibilidade nas relações entre empreiteiros, construtoras e donos de obra.
Sumário
- O que é o contrato de empreitada
- Natureza jurídica e autonomia das partes
- Base legal e principais dispositivos aplicáveis
- Modalidades de empreitada
4.1 Empreitada por preço global
4.2 Empreitada por preço unitário
4.3 Empreitada mista
4.4 Empreitada integral - Responsabilidade civil do empreiteiro
- Responsabilidade do dono da obra
- Subempreitada e terceirização
- Cláusulas essenciais para segurança jurídica
- Cuidados tributários e trabalhistas
- Alterações contratuais e revisão de valores
- Suspensão e rescisão da empreitada
- Fiscalização e conformidade técnica
- Tecnologia e gestão contratual
- Boas práticas antes da assinatura
- Conclusão
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1. O que é o contrato de empreitada
O contrato de empreitada é o instrumento jurídico por meio do qual uma das partes, denominada empreiteiro, se obriga a realizar determinada obra para o dono da obra, mediante preço certo.
Seu fundamento legal está no artigo 610 do Código Civil, que define:
“Pelo contrato de empreitada, o empreiteiro de uma obra pode contribuir apenas com seu trabalho ou também com materiais, ficando responsável pela execução do objeto contratado.”
Esse tipo de contrato é bilateral, oneroso e comutativo, ou seja, gera obrigações recíprocas entre as partes, com prestação e contraprestação equivalentes.
O elemento central da empreitada é o resultado final da obra. Diferente da prestação de serviços, cujo foco é a atividade em si, a empreitada se caracteriza pela entrega de uma obra concluída conforme o projeto acordado.
2. Natureza jurídica e autonomia das partes
A empreitada é uma relação civil e não trabalhista.
O empreiteiro atua com autonomia técnica e administrativa, sem subordinação hierárquica ao dono da obra. Ele é responsável por coordenar sua equipe, gerir materiais e garantir que o resultado final esteja conforme as especificações contratuais.
Essa independência é o que diferencia a empreitada da terceirização de mão de obra.
Na empreitada, o contratado assume o risco da execução e responde pelo resultado; na terceirização, o foco é o fornecimento de pessoal para execução contínua de atividades.
3. Base legal e principais dispositivos aplicáveis
O contrato de empreitada é regido pelos arts. 610 a 626 do Código Civil, complementados por dispositivos da CLT (art. 455) e pela Lei nº 13.429/2017 (Lei da Terceirização).
A seguir, destacam-se alguns artigos essenciais:
- Art. 611, CC — quando o empreiteiro fornece materiais, assume os riscos até a entrega da obra;
- Art. 612, CC — o dono da obra pode rejeitar a execução defeituosa ou exigir abatimento no preço;
- Art. 618, CC — o empreiteiro responde, durante cinco anos, pela solidez e segurança da obra;
- Art. 619, CC — o dono da obra deve propor ação judicial em até 180 dias após o aparecimento do vício;
- Art. 625, CC — a rescisão pode ocorrer por culpa de qualquer das partes, com indenização proporcional.
Esses dispositivos formam o núcleo normativo da empreitada e devem ser interpretados em conjunto com as normas trabalhistas e previdenciárias aplicáveis ao setor da construção.
4. Modalidades de empreitada
A legislação e a prática de mercado consolidaram quatro modalidades principais de empreitada. Cada uma delas se ajusta a realidades distintas de obras e contratações.
4.1 Empreitada por preço global
É a forma mais comum no setor privado.
O empreiteiro se compromete a executar a obra por valor fixo previamente ajustado, independentemente de eventuais variações nos custos de insumos ou mão de obra.
Para evitar desequilíbrios, o projeto deve estar totalmente detalhado, com orçamento, cronograma físico-financeiro e especificações técnicas completas.
Vantagem: previsibilidade de custo para o contratante.
Risco: o empreiteiro assume integralmente as variações econômicas.
4.2 Empreitada por preço unitário
Nesta modalidade, a remuneração é calculada com base em unidades de medida (m², m³, metros lineares etc.).
Cada item da obra possui valor individual, permitindo ajustes quando há variações nas quantidades executadas.
É indicada para obras de médio e grande porte, em que há incerteza sobre os quantitativos de serviços.
A principal diferença em relação à empreitada global está na flexibilidade para variações, sem necessidade de aditivos constantes.
4.3 Empreitada mista
A empreitada mista combina mão de obra e fornecimento de materiais pelo empreiteiro.
Nesse caso, o artigo 611 do Código Civil determina que os riscos correm por conta do empreiteiro até a entrega final da obra.
Essa modalidade é vantajosa para o dono da obra, que transfere ao contratado a responsabilidade integral pela execução e pelos insumos.
Entretanto, é essencial prever cláusulas de garantia, retenção e fiscalização, pois eventual vício estrutural ou material gera responsabilidade objetiva do empreiteiro.
4.4 Empreitada integral
É comum em contratos com o poder público, mas pode ser adotada em empreendimentos privados complexos.
O empreiteiro assume a obrigação de entregar o empreendimento pronto para operação, com todas as instalações e equipamentos funcionando.
Essa modalidade requer robusto planejamento jurídico e técnico, pois o contratante transfere ao empreiteiro o risco total da execução e do resultado.
5. Responsabilidade civil do empreiteiro
A responsabilidade do empreiteiro é objetiva quanto à solidez e segurança da obra, conforme o art. 618 do Código Civil.
Durante o prazo de cinco anos após a entrega, ele responde por vícios estruturais, defeitos de execução e falhas que comprometam a estabilidade do edifício ou obra.
O prazo de 180 dias para ajuizamento da ação conta-se do momento em que o vício é descoberto.
Essa regra visa equilibrar a relação contratual e garantir a tutela do consumidor ou do dono da obra, que nem sempre detecta o problema de imediato.
Além disso:
- o empreiteiro responde por imperícia, negligência ou uso de materiais inadequados;
- deve reparar, refazer ou indenizar eventuais danos;
- pode responder solidariamente com fornecedores, quando a falha decorre de material defeituoso utilizado na execução.
Em obras complexas, recomenda-se a contratação de seguro de responsabilidade civil do construtor, garantindo cobertura para danos a terceiros e a bens do contratante.
6. Responsabilidade do dono da obra
O dono da obra também possui deveres jurídicos relevantes.
Entre eles:
- Fiscalizar a execução e o cumprimento das normas técnicas;
- Efetuar os pagamentos nos prazos ajustados;
- Exigir comprovantes trabalhistas e previdenciários da empreiteira;
- Comunicar irregularidades detectadas durante a execução.
Nos termos do art. 455 da CLT, se o empreiteiro contratar subempreiteiros, o dono da obra poderá ser responsável subsidiário pelas obrigações trabalhistas, caso não haja fiscalização adequada.
Essa responsabilidade é evitável, desde que haja comprovação de que o contratante fiscalizou regularmente o cumprimento das obrigações da contratada.
7. Subempreitada e terceirização
A subempreitada é permitida, desde que expressamente autorizada no contrato principal.
O empreiteiro pode transferir parte da execução a outro profissional ou empresa, mas permanece responsável perante o dono da obra pelos resultados e pela conformidade técnica.
Com a Lei nº 13.429/2017, que regulamentou a terceirização de atividades-fim, tornou-se mais seguro contratar subempreiteiros, desde que observados:
- Contrato escrito e detalhado;
- Capital social mínimo da empresa contratada;
- Garantia de segurança, saúde e salubridade dos trabalhadores;
- Fiscalização efetiva do contratante principal.
A falta de controle sobre subcontratações é uma das maiores causas de litígios trabalhistas e civis em empreitadas.
8. Cláusulas essenciais para segurança jurídica
Um contrato de empreitada tecnicamente redigido deve conter cláusulas claras e completas.
Entre as principais:
- Objeto e escopo da obra — descrição detalhada, projetos e memoriais descritivos;
- Valor e forma de pagamento — cronograma físico-financeiro, reajustes e retenções;
- Prazos e cronograma de execução — com marcos de entrega e tolerância para intempéries;
- Garantias e cauções — valores retidos para cobrir vícios ou passivos trabalhistas;
- Responsabilidade pelos materiais — definição de quem assume o risco até a entrega;
- Fiscalização técnica — direito do dono da obra de acompanhar a execução;
- Multas e penalidades — hipóteses de atraso, abandono ou inadimplemento;
- Rescisão contratual — causas, procedimentos e indenizações;
- Soluções de conflito — cláusula de mediação, arbitragem ou foro especializado;
- Prazo de garantia pós-entrega — observância do art. 618 do Código Civil.
Essas previsões reduzem consideravelmente o risco de litígios e proporcionam maior previsibilidade financeira e operacional.
9. Cuidados tributários e trabalhistas
O contrato de empreitada deve prever mecanismos de retenção e repasse de tributos, além de estabelecer obrigações de compliance trabalhista.
É essencial exigir da empreiteira:
- Certidões negativas de débitos fiscais e previdenciários;
- Comprovantes de recolhimento de INSS, FGTS e ISS;
- Relação mensal de empregados e encargos;
- Notas fiscais compatíveis com o objeto contratual.
O descumprimento dessas exigências pode gerar responsabilidade solidária ou subsidiária, conforme a natureza do vício e a participação do contratante.
10. Alterações contratuais e revisão de valores
Alterações no projeto original só podem ocorrer com autorização expressa do dono da obra.
Se o empreiteiro fizer modificações não autorizadas, o contratante pode rejeitar a obra ou exigir abatimento no preço (art. 612 do CC).
Por outro lado, se o preço dos materiais ou da mão de obra variar mais de 10%, é possível pleitear revisão contratual para reequilíbrio econômico-financeiro.
Em qualquer hipótese, recomenda-se formalizar as alterações por aditivos contratuais devidamente assinados.
11. Suspensão e rescisão da empreitada
O dono da obra pode suspender a execução, desde que indenize o empreiteiro pelas despesas realizadas e pelos lucros cessantes.
Já o empreiteiro pode suspender os trabalhos se:
- O contratante atrasar pagamentos injustificadamente;
- Ocorrerem dificuldades imprevisíveis (causas geológicas ou hídricas, por exemplo);
- As modificações exigidas forem desproporcionais ao projeto aprovado.
Em todos os casos, a boa-fé objetiva deve orientar a conduta das partes.
12. Fiscalização e conformidade técnica
Mesmo que o empreiteiro tenha autonomia, o contratante tem o direito-dever de fiscalizar a execução.
Essa fiscalização deve abranger:
- Cronograma físico da obra;
- Qualidade dos materiais utilizados;
- Cumprimento das normas de segurança e ambientais;
- Documentação trabalhista e previdenciária.
A ausência de fiscalização configura culpa in vigilando e pode acarretar responsabilização civil do dono da obra.
13. Tecnologia e gestão contratual
A adoção de softwares de gestão imobiliária e de obras permite centralizar contratos, documentos e prazos.
Ferramentas digitais auxiliam na:
- Organização de aditivos e comprovantes;
- Emissão de alertas automáticos para pagamentos e fiscalizações;
- Armazenamento seguro de relatórios e comunicações entre as partes;
- Registro do histórico de desempenho de empreiteiros e fornecedores.
Esses recursos fortalecem o compliance contratual e reduzem a ocorrência de disputas judiciais.
14. Boas práticas antes da assinatura
Antes de formalizar o contrato, é recomendável:
- Realizar due diligence jurídica e técnica da empreiteira;
- Verificar certidões, histórico e capacidade operacional;
- Solicitar referências de obras anteriores;
- Incluir cláusula de seguro de responsabilidade civil;
- Garantir que o projeto técnico esteja aprovado e orçado integralmente.
Essas medidas simples previnem problemas futuros e aumentam a segurança da contratação.
15. Conclusão
O contrato de empreitada é um instrumento essencial para o setor da construção civil, mas também um dos mais sensíveis sob o ponto de vista jurídico.
Sua boa estruturação exige técnica, clareza e planejamento, pois define as bases de uma relação que envolve altos valores e riscos significativos.
Um contrato bem elaborado garante equilíbrio entre as partes, segurança jurídica, previsibilidade financeira e proteção patrimonial.
Por isso, contar com assessoria jurídica especializada é indispensável — especialmente para definir responsabilidades, cláusulas de garantia, mecanismos de fiscalização e critérios de rescisão.
A Carvalho Gomes Advogados atua na elaboração, revisão e negociação de contratos de empreitada e subempreitada, assegurando a conformidade legal e a segurança jurídica necessária para que construtoras, incorporadoras e empreiteiros realizem seus projetos com tranquilidade e confiança.



