Fonte: STJ. Acessado em 08/06/2023.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o possuidor tem direito à passagem forçada na hipótese de imóvel encravado, nos termos do artigo 1.285 do Código Civil (CC). Segundo o colegiado, a existência da posse sem a possibilidade concreta de usar da coisa em razão do encravamento significaria retirar do imóvel todo seu valor e sua utilidade.
Em Foz do Iguaçu (PR), uma moradora solicitou uma ordem de urgência para desobstrução de uma estrada, garantindo acesso ao seu imóvel. O juiz decidiu que a empresa dona do terreno adjacente removesse o bloqueio, impondo uma multa diária de R$1.000, até um limite de R$100.000.
Apesar da ação de passagem ser iniciada, o caso foi encerrado porque a moradora, sendo apenas possuidora e não proprietária, supostamente não teria legitimidade. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) apoiou a moradora, levando a empresa a recorrer.
Instituto se encontra mais vinculado ao imóvel encravado do que ao seu titular
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que, entre os direitos de vizinhança, insere-se o direito à passagem forçada. O qual ensina que o dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário. A relatora acrescentou que tal instituto encontra fundamento nos princípios da solidariedade social e da função socioeconômica da propriedade e da posse.
Nancy Andrighi afirmou que, quanto à titularidade ativa do direito, uma interpretação apenas literal do artigo 1.285 do CC poderia conduzir à conclusão de que somente o proprietário teria direito à passagem forçada. Contudo, segundo a ministra, o instituto se encontra vinculado muito mais ao imóvel encravado do que propriamente ao seu titular, ou seja, almeja-se a manutenção do valor e da utilidade socioeconômica da própria coisa.
“Muito embora a propriedade e a posse não se confundam, ambas garantem ao seu titular a possibilidade de usar e fruir da coisa e são essas prerrogativas comuns que, exercidas dentro dos parâmetros legais e constitucionais, garantem o respeito ao princípio da função social, que é o fundamento do direito à passagem forçada”, declarou.
A relatora destacou que de nada valeria a condição de possuidor de imóvel encravado se a ele não fosse também atribuído o direito à passagem forçada quando necessário. Pois, caso contrário, seria possuidor de imóvel destituído de qualquer valor, utilidade e função, o que violaria o princípio da função social.
Vizinho que recusa passagem ao possuidor do imóvel encravado, exerce seu direito de maneira não razoável
A ministra também observou que negar esse direito ao possuidor permite que o vizinho use sua propriedade de maneira prejudicial. Ela concluiu que a recusa em fornecer passagem vai contra o interesse social e a coesão comunitária, sendo considerada um uso inadequado da propriedade e uma violação de seu papel social.
“O vizinho que recusa passagem ao possuidor do imóvel encravado exerce seu direito de maneira não razoável, em desacordo com o interesse social e em prejuízo da convivência harmônica em comunidade, o que configura não apenas uso anormal da propriedade mas também ofensa à sua função social, situação que não merece a tutela do ordenamento jurídico”, concluiu a relatora.
Leia o acórdão no REsp 2.029.511.
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